Crítica: Albatroz
Em assumidas referências a David Lynch e Michelangelo Antonioni, o diretor Daniel Augusto e Bráulio Mantovani, corroteirista do longa-metragem, fazem de Albatroz uma tentativa de retratar, objetiva e subjetivamente, a experiência de sucessivos sonhos/pesadelos em tela. Valendo-se de sua interessante premissa, o filme preza pelos riscos do afeiçoamento estético em detrimento de desenvolvimento dramático – para seu bem e mal – e de uma possível conciliação com tanto conteúdo tratado ao longo de noventa minutos.

Alexandre Nero vive Simão, fotógrafo que ganha fama internacional ao capturar uma tentativa de assassinato. Sua trajetória é descrita por Alícia (Andrea Beltrão), autora de medíocres romances policiais e que narra, a partir de seu mais recente rascunho, ao mesmo tempo em que presta depoimento policial acerca de um assassinato, cada acontecimento envolvendo o protagonista. A história do fotógrafo toma forma como um mistério confuso entre ficção e realidade, cujos desdobramentos ganham camadas de acordo com as motivações expostas passo a passo de seus dois personagens principais.
A narrativa de Albatroz é inteiramente acompanhada pelo trajeto onírico de Simão, apresentando sequências repetidas, linhas temporais difusas, memórias fragmentadas e a dúvida sobre o que é real. O filme traça sua primeira metade de forma suficientemente instigante, promovendo seus segredos com o desarranjo da trama e a inquieta montagem, a qual destaca o embaraçamento dos diferentes pontos de vista sobre as diversas ocorrências da história (como a narração off-screen e colagens pelas descrições da escritora e as transições sinestésicas do fotógrafo).
Se, no entanto, a desordem intencional é válida para imediata apreensão do público nos primeiros passos de seu exercício fílmico, Albatroz acaba se desencontrando em pouco tempo ao barrar o progresso de sua narrativa ao investir demasiada importância em outros temas e sub-tramas que não as peças principais colocadas em discussão desde seu princípio. Embora parte destes pequenos enredos (que atravessam romances, traição, espionagem, antissemitismo e lavagem cerebral) contribuam ao deslocamento de sentidos que infligem o protagonista e público, sua pobre resolução leva o esforço à decepção, numa conflituosa soma involuntária de Sob o Domínio do Mal (1962 e 2004) e Os Fantasmas de Ismael (2018).
A dissonância que sustenta as diferentes percepções entre real e imaginário pelo protagonista é representada pontualmente na forma do filme: além da já citada fragmentação narrativa, o fato de Simão ser acometido pela sinestesia (sendo a associação de diferentes cores a determinados sons, neste caso) faz de algumas cenas terem significados próprios pelo uso da cor dentro do universo de Albatroz, subestimados por seu texto, entretanto, ao verbalizar as sensações do personagem em diversas situações. O roteiro, contando ainda com a colaboração de Fernando Garrido e Stephanie Degreas, subestima o próprio desenvolvimento ao colocar o espectador a par de motivações e intuitos, ocultados até os momentos finais da projeção, por meio de recursos simplórios para tanto – chegando a dar ao ator Marcelo Serrado uma cena de tamanha exposição no que aparenta ser uma paródia dos maníacos vilões da série 007 – James Bond.
O longa ainda ensaia uma discussão pertinente sobre os limites da arte e apropriação da realidade – o que até agiria conforme os diferentes vieses em que a trama principal se expõe –, mas que acaba por não se concretizar. Na contramão, o peso que antes era dado à confissão de Alícia é esvaziado ao enveredar o percurso de Simão a dois pontos distintos mas semelhantes e óbvios às intenções da autora (no que é entendido pelo filme como fantasia e realidade), e deixando de lado uma possível brecha para outras interpretações.
Amparado por um bom tempo no tratamento em que dá ao suspense inicial, Albatroz não faz jus às referências e temas que toma para si, criando uma experiência sensorial incompleta e que serve somente para a exploração de sua frágil trama, que não convence como arremedo satírico nem como convicto thriller, uma vez que, ao término, suas pontas permanecem desamarradas e um tanto curtas para que o espectador o faça.
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